Autor: Vaddey Ratner
Editora: Geração Editorial
Esse livro chegou às minhas mãos com uma indicação tão forte e bem recomendada que ele acabou passando a frente na fila. Não me arrependi em nenhum momento da leitura.Acho que essa é uma das histórias mais belamente escritas que eu já tive a oportunidade de ler. Forte, triste, tenso, tudo isso também. Mas acima de tudo: lindo.
O contexto histórico do livro - a ascensão do grupo comunista Khmer Vermelho no Camboja, que se transformou em uma das ditaduras mais sangrentas da História - é visto através da perspectiva de Raami, membro da família real cambojana, uma menina de 7 anos sensível e curiosa. A vida de Raami no palácio é cheia de cores, de vida e de pequenas alegrias, que ela vive e aproveita com doçura.
"(...) em uma profusão de sedas coloridas que quase ofuscou os pássaros e borboletas ao redor, reunímo-nos no pavilhão de jantar (...). Mais uma vez, mamãe havia se transformado, desta vez de borboleta em jardim. Todo seu ser germinava flores." (p.17)
Conhecendo sua vida e seu relacionamento com a família - a mãe, a irmã Radana, a Rainha Avó, os empregados e principalmente o pai -, é difícil acreditar no quanto as coisas mudam dali para a frente na história. Só não muda a maneira extremamente lírica e sensível com que Raami observa e sente o mundo onde está.
Arrancados de sua vida quanto o Khmer Vermelho toma o poder, Raami e a família são guiados para cada vez mais longe de sua casa, de sua cidade, de tudo o que conhecem. Uma jornada sem retorno começa mas, incentivada pelo pai poeta e fiel aos deuses e a Buda, a menina continua firme em seu propósito de enxergar além do que se vê. Uma versão cambojana da Poliana e seu jogo do contente.
"Conhecer vem de aprender; encontrar vem de procurar. Ficou claro para mim o significado da mensagem. Se eu olhasse o suficiente, se procurasse, encontraria o que estava procurando. Ali, no solo ensombrado da figueira de bengala, o templo abrigava pequenos reflexos do paraíso que havíamos deixado para trás" (p.94)
Em seu caminho, Raami se depara com violência, fome, cansaço e perdas. Sem tempo para se despedir de tudo que vai ficando cada vez mais distante, a menina vai se adaptando a realidades cada vez mais difíceis e solitárias, sem perder nunca a força e a empatia que ao mesmo tempo a conforta e a deixa aflita, querendo abraçar as dores do mundo.
"Big Uncle me deu um sorriso amarelo e por um momento esqueci minha infelicidade, pensando quão horrível era ser esse gigante com seu enorme sofrimento, sem ninguém para confortá-lo do jeito que eu, em minha pequenez, podia ser confortada". (p.291)
Narrado em primeira pessoa, de modo íntimo, pessoal e sincero, À Sombra da Figueira é um livro para mergulhar. É impossível ler e se manter indiferente aos sentimentos de Raami. Impossível não sentir suas dores e chorar suas perdas.
Mais doloroso ainda é ler a nota da autora, no final do livro, em que ela conta sua relação com a ditadura cambojana, que ela viveu aos 5 anos. Em parte autobiográfico, em parte tributo às tantas milhares de vidas perdidas, essa é uma história para guardar com carinho e revisitar sempre que possível.
Algumas histórias não podem nem devem ser esquecidas. Essa é uma delas.
0 comentários:
Postar um comentário