UA-78357878-1 A Line leu: fevereiro 2016

28 de fevereiro de 2016

[Resenha] À sombra da figueira (ou: Poliana cambojana)

Título: À sombra da figueira (Original: In the shadow of the banyan)
Autor: Vaddey Ratner
Editora: Geração Editorial


Esse livro chegou às minhas mãos com uma indicação tão forte e bem recomendada que ele acabou passando a frente na fila. Não me arrependi em nenhum momento da leitura.Acho que essa é uma das histórias mais belamente escritas que eu já tive a oportunidade de ler. Forte, triste, tenso, tudo isso também. Mas acima de tudo: lindo.

O contexto histórico do livro - a ascensão do grupo comunista Khmer Vermelho no Camboja, que se transformou em uma das ditaduras mais sangrentas da História - é visto através da perspectiva de Raami, membro da família real cambojana, uma menina de 7 anos sensível e curiosa. A vida de Raami no palácio é cheia de cores, de vida e de pequenas alegrias, que ela vive e aproveita com doçura.

"(...) em uma profusão de sedas coloridas que quase ofuscou os pássaros e borboletas ao redor, reunímo-nos no pavilhão de jantar (...). Mais uma vez, mamãe havia se transformado, desta vez de borboleta em jardim. Todo seu ser germinava flores." (p.17)

Conhecendo sua vida e seu relacionamento com a família - a mãe, a irmã Radana, a Rainha Avó, os empregados e principalmente o pai -, é difícil acreditar no quanto as coisas mudam dali para a frente na história. Só não muda a maneira extremamente lírica e sensível com que Raami observa e sente o mundo onde está.

Arrancados de sua vida quanto o Khmer Vermelho toma o poder, Raami e a família são guiados para cada vez mais longe de sua casa, de sua cidade, de tudo o que conhecem. Uma jornada sem retorno começa mas, incentivada pelo pai poeta e fiel aos deuses e a Buda, a menina continua firme em seu propósito de enxergar além do que se vê. Uma versão cambojana da Poliana e seu jogo do contente.

"Conhecer vem de aprender; encontrar vem de procurar. Ficou claro para mim o significado da mensagem. Se eu olhasse o suficiente, se procurasse, encontraria o que estava procurando. Ali, no solo ensombrado da figueira de bengala, o templo abrigava pequenos reflexos do paraíso que havíamos deixado para trás" (p.94)

Em seu caminho, Raami se depara com violência, fome, cansaço e perdas. Sem tempo para se despedir de tudo que vai ficando cada vez mais distante, a menina vai se adaptando a realidades cada vez mais difíceis e solitárias, sem perder nunca a força e a empatia que ao mesmo tempo a conforta e a deixa aflita, querendo abraçar as dores do mundo.

"Big Uncle me deu um sorriso amarelo e por um momento esqueci minha infelicidade, pensando quão horrível era ser esse gigante com seu enorme sofrimento, sem ninguém para confortá-lo do jeito que eu, em minha pequenez, podia ser confortada". (p.291)

Narrado em primeira pessoa, de modo íntimo, pessoal e sincero, À Sombra da Figueira é um livro para mergulhar. É impossível ler e se manter indiferente aos sentimentos de Raami. Impossível não sentir suas dores e chorar suas perdas.

Mais doloroso ainda é ler a nota da autora, no final do livro, em que ela conta sua relação com a ditadura cambojana, que ela viveu aos 5 anos. Em parte autobiográfico, em parte tributo às tantas milhares de vidas perdidas, essa é uma história para guardar com carinho e revisitar sempre que possível.

Algumas histórias não podem nem devem ser esquecidas. Essa é uma delas.

21 de fevereiro de 2016

[Resenha] Mentirosos (ou: eu sei o que você fez no verão passado)

Título: Mentirosos (Original: We were liars)
Autor: E. Lockhart
Editora: Seguinte

Resenha mais curta no Instagram :)

Eu li a sinopse e não entendi o que ia acontecer no livro. Comecei a história sem nenhum contexto, sem saber direito onde aquilo ia me levar. E me levou longe.


A narração tem como protagonistas os Sinclair, uma tradicional família rica americana, com todo o seu porte, sua pompa e seus segredos. Nós os conhecemos por meio de Cadence, a primeira neta do magnata Harris Sinclair, uma adolescente de 17 anos com um passado nebuloso.

Todos os verões, Cadence, sua mãe, tias e primos se reúnem na ilha particular (!) da família, para passar as férias todos juntos com os avós. Cady tem uma relação próxima com seus dois primos, Johnny e Mirren, e com Gat, o sobrinho adotivo de uma das tias. Os quatro tem a mesma idade e se encontram todos os anos para viver aquele mundo de sonho e de aventuras. A família os chama de "mentirosos".Com personalidades complementares, os Mentirosos formam um time imbatível.

"Nós quatro, os Mentirosos, sempre fomos.
Sempre seremos. 
(...)
Essa ilha é nossa. Aqui, de certo modo, somos jovens para sempre."
p.150

No verão dos quinze anos, Cadence sofre um acidente. Ela se lembra de poucos flashs da história, tem pequenos lampejos dolorosos de lembranças sobre as quais ninguém quer falar. Durante os dois anos seguintes, Cadence é impedida de ir para a ilha. Sem notícias, sem informações e sem contato com seus três melhores amigos, Cady sofre com o vazio de sua memória e com constantes dores de cabeça que a incapacitam por dias a fio. Cansada das negativas da mãe em recontar o que houve e do silêncio do restante da família, Cady insiste.

No verão dos dezessete, Cadence volta à ilha para tentar reconstruir sua memória e finalmente entender o que aconteceu.

Enquanto enfrenta seus fantasmas e busca por vestígios da própria história, Cadence vai aos poucos se dando conta de que a vida de sonho dos Sinclair também é uma vida de segredos, de renúncias, de perdas. Uma vida cercada de pequenas dores esmagadas por sorrisos forçados, roupas caras, status social. Os Sinclair vivem vidas reais que não tem espaço dentro dos limites da ilha. Se moldam para caber na realidade mitológica que criaram para si mesmos.

A estrutura do texto é fragmentada, com idas e voltas do passado, confusa como a mente de sua narradora. As linhas de raciocínio são frágeis e muitas frases ficam no ar, outras tantas só fazem sentido depois da resolução do mistério. Apenas uma amostra da bagunça interna de Cady.

A resolução do mistério cai como uma bomba. O que aconteceu no verão dos quinze deixou cicatrizes profundas e ainda faz eco em todas as decisões da família desde então. É um final que te abala, te confunde e deixa uma sensação de solidão. O preço que se paga para se manter a aura mística da família é tão alto que dói em todos os envolvidos - inclusive o leitor.

A obsessão de Cadence com os contos de fada é mostrada de uma forma ao mesmo tempo forte e delicada, assim como toda a narrativa alterna entre trechos líricos e brutalmente diretos. O livro é uma coleção de opostos e mesmo o final, com um enredo tão bem trabalhado que não poderia ser diferente, continua sendo inesperado. É um livro para despertar sensações e provocar reflexões. Com certeza vou procurar mais títulos da autora para ler! Essa é uma história que vai seguir comigo por um bom tempo.

Tem alguma sugestão de livro ou quer fazer algum comentário? Agora você pode manter contato comigo no Facebook! Curta a página do blog por lá: www.facebook.com/leiturasdaline ;)

13 de fevereiro de 2016

[Resenha] - O Livro do cemitério (ou: Os fantasmas se divertem)







Título: O Livro do Cemitério (Original: The Graveyard Book)
Autor: Neil Gaiman; ilustrações de Dave McKean
Editora: Rocco Jovens Leitores


 Resenha curtinha lá no Instagram :)







Comentei com uma amiga que queria ler os livros do Neil Gaiman, porque já era fã dele nos roteiros de Sandman e queria conhecer mais. Eis que ela me empresta "O Livro do Cemitério" e a sinopse já me prende: um bebê fugindo de um assassino que matou sua família entra em um cemitério e é acolhido e criado pelos habitantes (mortos) do lugar. E aí?

E aí que, com um autor comum, essa premissa podia levar para dois lados: 1) uma história carregada de suspense ou 2) uma comédia com os fantasmas vivendo grandes aventuras na sessão da tarde. Mas nas mãos de Gaiman a história cresce: os fantasmas são mais que fantasmas, o assassino é mais que um assassino, a criança é mais que uma criança. Em uma história para adolescentes, é bem legal a densidade e a humanidade que os personagens todos tem.

Acompanhando o crescimento de Ninguém (o nome do bebê) Owens (o sobrenome do casal fantasma que o adota), o que vemos é uma criança curiosa e disposta a saber mais sobre o mundo e como ele funciona. Comum em tudo, menos no fato de que o mundo que ele vive é o fantástico e o que ele fantasia é o que existe fora dos muros do cemitério.

Mistura de Rapunzel e Peter Pan, Ninguém - ou Nin - é um rapazinho que quer ver o mundo mas está muito bem, obrigado, do jeito que está. Com um mentor vampiro, pais fantasmas e uma "crush" que pensa nele como amigo imaginário, o menino está sendo caçado por uma seita de assassinos saída de um livro do Dan Brown. Nin entende um total de zero coisas da situação, e o leitor também. Mesmo depois das explicações, isso tudo é secundário. O foco fica inteiro no desenvolvimento emocional e intelectual de Nin, cercado dos personagens incríveis que foram enterrados ali.

A estrutura da história é uma sequência de crônicas do cotidiano do menino, embora não exista uma divisão clara disso. As várias pequenas histórias da vida de Nin entre os mortos se cruzam e tornam a história mais cheia de vida (desculpe o trocadilho). O resultado é um livro leve, com uma leitura dinâmica e muita personalidade. Ótimo companheiro para ler entre livros mais pesados e densos. :)

Destaque para as ilustrações LINDAS do Dave McKean que dão um belo descanso para a imaginação ilustrando trechos importantes da história.

Tem algum livro do Neil Gaiman para me indicar? Me manda que estou interessada! :D


9 de fevereiro de 2016

[Resenha] Toda luz que não podemos ver (ou: as pequenas histórias com as quais a História é feita)





Título: Toda luz que não podemos ver (Original: All the light we cannot see)
Autor: Anthony Doerr
Editora: Intrínseca

(Para uma resenha mais curtinha, passa lá no Instagram ;D )







Tinha um livro com capa azul na bancada da minha tia.  Ela me disse que era ótimo e recomendou que eu lesse. Eu não conhecia sequer a sinopse. E foi assim que acabei lendo e me apaixonando por um livro vencedor do Pulitzer, do qual eu nunca tinha ouvido falar.

(pausa para vocês rirem do quanto eu estava desinformada antes de lerem a minha resenha) 

A Segunda Guerra Mundial exerce um fascínio no mundo literário e cinematográfico que, nos últimos tempos, tem rendido boas histórias. Todo mundo quer escrever sobre a megalomania de Hitler, sobre o holocausto judeu, sobre aqueles que bateram de frente contra o Reich e pagaram o preço. Em Toda Luz que Não Podemos Ver, Anthony Doerr pega essa onda. Mas aponta seus holofotes para protagonistas simples e humanos que estavam apenas tentando seguir seus dias. Marie-Laure, uma menina cega francesa, e Werber, um menino prodígio alemão que acabou na guerra. A história cotidiana das pessoas que viveram a guerra em pontos distantes do poder.

A estrutura narrativa do livro é bem interessante. Um passeio pelo passado com breves flashs do presente. Você sabe exatamente onde os personagens vão chegar, em que situação eles se encontram no presente. A história se desenrola para que possamos descobrir de que maneira isso aconteceu.

Esse retorno ao passado nos permite visitar a infância de Marie-Laure em Paris, no museu em que seu pai trabalhava. Acompanhamos suas primeiras descobertas, seus primeiros anos de cegueira e as engenhosas soluções de seu pai para mantê-la capaz e independente. Pai e filha tem uma relação linda e é delicioso acompanhá-los em seus pequenos rituais. É esse o cenário que aos poucos transforma Marie-Laurie na garota forte, corajosa e segura que vemos enfrentando o presente.

"As mãos de Marie se movem incessantemente, juntando, investigando, testando. (...)Tocar alguma coisa de verdade, ela está aprendendo,(...) significa amá-la" (p.38)

Simultaneamente, assistimos a infância de Werner em um distrito pobre na Alemanha, em que todos os meninos se tornam adultos para trabalhar nas minas de carvão (exatamente o serviço que matou o pai do garoto). Werner e sua irmã Jutta, duas crianças de cabelos prateados e olhos violeta (quase Targaryens) vivem suas pequenas aventuras em um orfanato com mais crianças do que recursos, buscando nos descartes alheios seus tesouros e alegrias. Nesse cenário surge o primeiro rádio de Werner, a partir do qual toda a sua vida se abre para outras possibilidades, o que aos poucos conduz até o soldado inseguro, valioso e muito jovem a que somos apresentados logo no início.

"A Frau Elena diz que agora temos que vir  direto para casa depois da escola. Ela diz que não somos judeus, mas somos pobres o que é tão perigoso quanto ser judeu" (p.73)

A Guerra atinge a ambos de forma esmagadora, mas começa como um rumor distante e inofensivo. Uma mudança de endereço, um serviço especial do museu, algumas visitas ao orfanato, uma escola para alcançar possibilidades além das minas. A Guerra é um sussurro, algumas filas intermináveis e pêssegos cada vez mais difíceis de achar. Heil Hitler é só uma coisa que agora ele precisa repetir junto com as demais lições.

Em suas jornadas, tanto Marie quanto Werner encontram pessoas incríveis que a História não registrou. Muitas pequenas coragens, pequenas atitudes, pequenos passos que mudando a realidade. A Guerra longe dos centros de poder, no cerco à pacata Saint-Malo ou nas corridas em pequenos vilarejos europeus, mostra a face de quem sentiu a guerra sem compreender sua dimensão.

As ausências também são duramente sentidas nas vidas dos dois. Marie-Laure ainda ouve os conselhos do pai que não está. O julgamento de Jutta pesa nas escolhas de Werner mesmo meses depois da última carta recebida pela irmã. Os ausentes-presentes ajudam a dar forma e veracidade para esse romance melancólico e intenso.

Suas histórias se cruzam da melhor maneira que poderiam.

Toda Luz que Não Podemos Ver é uma leitura romanceada, com trechos poéticos e filosóficos, tocante e capaz de emocionar. Em meio aos clichês de romances da Segunda Guerra, uma história com fôlego renovado para explorar as sensações e sentimentos das pessoas comuns da época. Lindo!

3 de fevereiro de 2016

A Line leu em janeiro - Os livros do mês

Janeiro terminou agorinha e é uma boa hora para relembrar o que já foi lido. Me baseando nas resenhas do Instagram e nas marcações do Skoob, as leituras do mês foram essas:

Título: Ressurreição
Autor: Jason Mott
Editora: Verus

Um livro bem bacaninha para refletir sobre como nós lidamos com a vida, a morte e o luto. Tem um ar de mistério mas é bem filosófico, rende umas boas horas pensando nesse enorme 'e se?' que é a vida da gente.


 Nota de um a cinco fantasminhas camaradas: 4


Título: A música do silêncio
Autor: Patrick Rothfuss
Editora: Arqueiro

Spin off de "As Crônicas do Matador do Rei", é um livro dificil de entender fora do contexto. Mas Auri é um amorzinho então gostei da história. Mesmo sendo uma bagunça e a única cena de ação ser a fabricação de sabonete.

Nota de um a cinco sabonetinhos: 3

Tìtulo: O menino da mala
Autor: Lene Kaaberbol e Agnet Friis
Editora: Arqueiro

Que livro difícil de ler! A história é ótima e o livro tem um enredo complexo e bem amarrado. Mas haja personagem desajustado sofrendo, viu? O menino da mala, inclusive, era quem estava na situação mais tranquila.

 Nota de uma a cinco malinhas: 3,5

Título: Peter Pan - A origem da lenda
Autor: J. M. Barrie
Editora: Universo dos Livros


Sempre uma delícia ler livros escritos para crianças. Leve, doce, sonhador e imaginativo, o livro também tem uma pegada melancólica que é bem bonita. Vale a leitura, para adultos e crianças curiosas.

Nota de uma a cinco fadinhas: 5

Título: Um mais Um
Autor: Jojo Moyes
Editora: Intrínseca


Uma história bem humana para ler, se entregar e voltar encantado para superfície. Um livro para rir, chorar e se identificar. Dá vontade de entrar na história e interagir. Apaixonada por ele e já quero reler!

Nota de uma a cinco coroas de reizinho do mês: 5



Esses foram os livros de janeiro por aqui. Você leu algum? Me conta qual foi nos comentários ;)