UA-78357878-1 A Line leu: maio 2016

29 de maio de 2016

[Resenha] Anexos (ou: poderíamos ser nós)

Anexos Rainbow Rowell Resenha Leitura Avaliação Livro
Tìtulo: Anexos (Original: Attachments)
Autor: Rainbow Rowell
Editora: Novo Século
Ano: 2014


Esse livro chegou com uma intimação: "Você precisa ler esse livro, somos nós duas nele". Quando alguém te diz isso, você não tem alternativa além de querer ler e começar imediatamente a procurar as semelhanças.

Mas antes de falar das semelhanças, bora apontar as diferenças que tornam esse livro um respiro no meio da mesmice que costumam ser os livros de romance contemporâneos. A sinopse já te dá uma pista: nosso protagonista é Lincoln, um programador de T.I. cujo trabalho é ler os e-mails dos funcionários do jornal para identificar se eles estão usando o e-mail de maneira imprópria. É no meio desse emprego bizarro que ele conhece nossas outras duas protagonistas, Jenny e Beth, uma revisora e uma jornalista. Mas ele não as conhece pessoalmente (nem nós, leitores). Tudo o que ele sabe sobre elas está contido nas conversas malucas, íntimas e intermináveis que elas desenvolvem em seus e-mails.

Para manter essa história de um jeito interessante, a autora alterna capítulos com estrutura comum, para narrar os pontos de vista de Lincoln, e capítulos inteiros sem narrador, apenas a transcrição dos e-mails trocados por nossas heroínas. E, lendo esses e-mails, a nossa reação é a mesma do menino-do-T.I.: nos encantamos por Beth e Jenny, queremos interagir com elas, ser amigas, trocar confidências. Lincoln vai além: de repente, descobre que está apaixonado por Beth.

Meio bizarro, eu sei. Mas no contexto fictício é uma gracinha, juro.

Durante a leitura, entendi bem rápido o comentário da minha amiga: podíamos mesmo ser nós duas, trocando e-mails durante o horário de trabalho e abrindo nossos corações para rir e para chorar. Eu vou além: Beth e Jenny poderiam ser qualquer um de nós que usamos a internet, que entendemos esse ambiente como uma extensão do nosso espaço, da nossa fala, como um ponto de encontro para ver os amigos e conversar.

A resolução da história força um pouco a barra, mas afinal de contas é um livro de romance, você precisa aceitar algumas coisas. Mas "Anexos" vale muito a pena a leitura, não pela história em si, mas por toda a forma com que ela se desenvolve, pela leveza e doçura com a qual Rainbow pega a nossa mão e nos conduz por toda a narrativa. Tenho certeza que você vai se identificar, se divertir e descobrir que o amor pode estar escondido em histórias extremamente improváveis.


Quatro estrelas para essa fofura :)

17 de maio de 2016

[Resenha] Quarto (ou: o estranho e lindo mundo de Jack)

Quarto de Jack Emma Donoghue Resenha Editora Verus
Título: Quarto (Room)
Autor: Emma Donoghue
Editora: Verus
Ano: 2011

Instagram :)


Esse livro chegou até mim emprestado, durante uma semana de licença médica em que tudo que eu precisava era companhia. Infelizmente não consegui ler nada durante a tal semana, mas li na semana seguinte e achei a leitura tão sensível e poderosa que acabei relendo alguns trechos.

Quando comecei a ler, já tinha visto o trailer do filme que adaptou a história para os cinemas, então Jack e sua Mãe já tinham rostos na minha imaginação. Isso foi útil, porque o livro não fornece muitas características físicas sobre os personagens (embora isso não faça tanta falta assim).

Narrado em primeira pessoa pelo Jack, o menino de 5 anos mais carismático de todos os tempos, o livro nos mantém diretamente ligados ao que o garoto sente, pensa e sabe. Enxergar a história inteira por meio dos olhos inocentes e curiosos de Jack é uma experiência nova e interessante, e a autora consegue manter durante toda a narração essa clareza: estamos ouvindo os pensamentos de uma criança de 5 anos.

"Escolhi a Colher Derretida, com o branco todo embolotado no cabo, de quando ela encostou sem querer na panela de macarrão fervendo. A Mãe não gosta da Colher Derretida, mas ela é a minha favorita, porque não é igual. Fiz carinho nos riscos da Mesa pra eles melhorarem, ela é um círculo todo branco, menos o cinza dos riscos, por causa de picar os alimentos." 
O Quarto é o mundo inteiro para Jack. As coisas que ele vê na Televisão, para ele, são coisas de outros planetas, inacessíveis, outros Quartos, de muitas outras dimensões. Jack é senhor desse mundo, profundo conhecedor de cada detalhe do Quarto, cada manchinha, cada detalhe, cada novidade mínima, cada trecho da rotina. Jack divide esse mundo com a Mãe e, eventualmente, com o Velho Nick, que aparece durante a noite, quando Jack já está dormindo no Armário, para fazer a Cama da Mãe ranger.

Quando sua Mãe conta para ele que o mundo é maior que o Quarto e apresenta ao menino um ousado plano de fuga, Jack sente seu universo se desfazer. Finalmente no Lá Fora, Jack vê tudo com olhos curiosos e tremendamente assustados. Tudo o que ele quer é voltar para o Quarto. Retornar ao único lugar que chamou de lar, e sobre o qual sua Mãe não quer nunca mais falar.

É estranho, essa é uma história pesada, que aborda situações traumáticas e extremas. Mesmo assim, um narrador tão inocente coloca as coisas em outra perspectiva. Essa mesma história poderia ter sido contada de mil maneiras diferentes e seria parecida com muitas outras. Seria chocante, dolorosa, provocaria todo tipo de reações. Mas, ao colocar Jack como narrador, ao colocar o leitor dentro da cabeça de uma criança tão original e inteligente, essa se torna uma história forte e poderosa sobre o amor que nos mantém de pé.

"Quarto" é um livro capaz de te prender até a última página. Em momento algum você quer deixar Jack sozinho no novo mundo em que ele precisa reaprender todas as coisas que achou que sabia. Jack e sua Mãe são personagens incríveis e inesquecíveis. Assim como o Quarto, um personagem ele próprio, povoando os sonhos de um e os pesadelos de outro.

Outro livro 5 estrelas, que mereceu o título de Melhor Livro do Ano pelo New York Times e pelo Independent.

Quarto O quarto de Jack Avaliação Resenha Ranking

Veja também o trailer de "O Quarto de Jack", indicado ao Oscar 2015 nas categorias Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Diretor e vencedor na categoria Melhor Atriz (Brie Larson):

10 de maio de 2016

[Resenha] Diga aos lobos que estou em casa (ou: o primeiro luto a gente não esquece)

Título: Diga aos lobos que estou em casa (Original: Tell the wolves I'm home)
Autor: Carol Rifka Brunt
Editora: Novo Conceito
Ano: 2014

Resenha no instagram :)

Eu não costumo fazer isso, mas esse livro eu escolhi pela capa. Eu estava em uma feira de livros, escolhendo alguns títulos dentro de um orçamento limitadíssimo, e essa capa (linda) me cativou. Não dei tanta atenção quanto deveria à sinopse, porque estava encantada demais com essa capa verde toda trabalhada, mas acabei dando muita sorte: “Diga aos lobos que estou em casa” é um livro sensacional.

Ambientado no final dos anos 80, o livro tem um tom familiar e íntimo. É fácil nos sentirmos próximos da realidade apresentada nele. Quem não foi um adolescente perdido, deslocado e aprendendo a lidar com as dores do primeiro amor e do primeiro luto? Essa é a situação de June, nossa protagonista que, aos 14 anos, tenta viver apesar do pesar e da imensa perda que acabou de sofrer.

(Pausa para um adendo pessoal: GENTE, mas quanto protagonista adolescente nesses livros hein? 14 anos, galera, eu tava pulando corda e essas crianças já estão aí salvando o mundo e evoluindo emocionalmente. Eu hein. Fim da pausa, fecha parênteses.)

June é uma menina tímida e acaba de perder o tio, irmão mais novo de sua mãe. Seu Tio Finn era a única pessoa em todo o mundo que a compreendia e amava, e a perda dele é devastadora. Finn era jovem, talentoso, sensível e June estava secretamente apaixonada por ele. Sua morte foi causada por um assunto que todos ao redor dela tentam evitar; June perdeu seu tio para a AIDS. 
(...) Fiquei sentada ali observando o chef japonês e perguntei-me o que aconteceria comigo sem Finn. Eu ficaria idiota pelo resto da vida? Quem me contaria a verdade, a história real que estava por baixo do que todas as outras pessoas conseguiam ver? Como você se torna alguém que sabe dessas coisas? Como você se torna alguém com visão de raio-x? Como você se torna Finn?

Enquanto tenta digerir e enfrentar uma vida sem seu Finn, June lida também com uma relação problemática com sua irmã mais velha, Greta, e com a ausência de pais muito ocupados trabalhando, embora sejam ambos preocupados e amorosos. No meio desse turbilhão, um homem entra em contato com ela. Ela já o viu uma vez, no velório de Finn. Embora todos a aconselhem a ficar longe desse homem, June está desesperada por qualquer detalhe, qualquer fiapo, qualquer breve vislumbre de lembrança do tio, e começa a se comunicar com Toby, o misterioso companheiro viúvo de Finn.


A relação que os dois desenvolvem é extremamente frágil e delicada, assim como o são June e Toby. Quando se encontram e a cada minuto que se conhecem melhor, June e Toby se olham como se olhassem para um espelho. O homem na casa dos 30 e a menina na casa dos 14 se reconhecem na imensidão de sua dor, de sua perda e de sua solidão. Ele a entende e vice-versa. Quando estão juntos, podem se lembrar de Finn com nostalgia, amor e plenitude, sem julgamentos. Podem caminhar juntos em direção a um futuro em que a perda dele seja lembrada, mas já não represente uma dor tão paralisante.

Finn não aparece no tempo atual do livro. Tudo o que sabemos sobre ele é indireto, vindo através do véu da saudade e do amor com que ele é lembrado. Ainda assim, Finn protagoniza essa história ao lado de June e de Toby, sempre presente em todas as cenas e decisões, sempre tocante e insubstituível. Finn é um artista, sensível e gentil, respeitado e famoso por seu talento. Mesmo as mágoas que ele deixou são perdoáveis e não é possível estar indiferente à sua presença-ausência. É fácil compreender a falta que June e Toby sentem dele porque é fácil imaginar a alegria que ele representava para os demais personagens.


Esse é um livro bonito. Profundamente triste e tocante, desenvolvendo assuntos como o amor, o amadurecimento e o luto, lado a lado com suas versões mais sombrias, o ódio, a imaturidade, a recusa ao encarar uma perda. “Diga aos lobos que estou em casa” é um livro para ler de coração aberto e chorar junto com June, junto com Toby, seguir com eles em suas jornadas e se encantar com suas trajetórias.


A escrita é lírica, leve e te convida a ler com calma, para absorver as camadas e entrelinhas. O livro fecha um ciclo perfeito da história, começa no melhor momento, termina do jeito justo. Não mudaria nada nele. N-a-d-a. Lindo!

E, inaugurando o novo modelo de avaliação aqui do blog, essa históra ganhou 5 estrelas: