Desde que eu me lembro, estou lendo.
Durante a infância, achava as cartilhas e gibis da Turma da Mônica tão divertidos quanto qualquer outro brinquedo. Passava horas brincando de escolinha, de redação, de biblioteca. Mas o primeiro livro que eu li foi "Transplante de Menina", da Tatiana Belinky, que ganhei aos 8 anos. O livro veio em um kit, prêmio de participação em um concurso de redações. Nada do que veio no kit foi tão bem aproveitado quanto o livro da Tatiana, que estava ela própria presente no evento de premiação, toda redonda e velhinha, com sua cara de avó de desenho animado.
Eu reli "Transplante de Menina" pelo menos 7 vezes. Me apaixonei pela história biográfica da menina que foi transplantada da Russia para o Brasil e precisou adaptar todos os seus gostos, hábitos, sonhos e linguagem para um país totalmente diferente. Essa história me marcou muito e eu fiquei genuinamente triste quando soube do falecimento de Tatiana, em 2013.
O que tornou esse um livro tão essencial e marcante na minha vida foi o fato de ele ter me tratado como uma leitora, não como uma criança. Isso fez toda a diferença e, desde então, eu busquei por livros e histórias que me respeitassem. Em um mundo com "Transplante de Menina", porque raios eu deveria ler um livro ruim? Melhor reler um bom.
Não costumo abandonar livros pela metade, mas ao longo dos anos me deparei com muitas histórias que não me cativaram. Quando a história chega ao fim, muitas vezes eu fecho o livro com a certeza de que nunca mais vou querer abri-lo. Mas, ainda bem, o contrário acontece na mesma medida.
Algumas vezes, você está lá tentando ler todos os livros que as pessoas te indicaram, os que você escolheu, os que clicou e os que te emprestaram. E aí, de repente, você vai na sua prateleira buscar qualquer coisa e, quando menos espera, reconhece um livro te conquistou e te deixou com aquela sensação (deliciosa) que você não podia deixar aquela história ir embora. Tarde demais: você precisa ler de novo.
Tem livro que dá vontade de começar a reler na mesma hora que ele termina. Quando eu li “Vidas Secas” na escola, soube que aquela era uma história que eu ia continuar querendo ler para o resto da vida (segue sendo verdade). Isso aconteceu também com “O Nome do Vento”, que eu já li três vezes, e durante as esperas de lançamento dos últimos livros da saga Harry Potter, tempo em que reli os quatro primeiros. Eu estou sempre relendo livros para matar o tempo, nem que seja apenas para ler de novo os meus trechos preferidos. Algumas vezes, depois de um livro muito denso, muito triste ou muito ruim, eu simplesmente preciso ler alguma coisa confortável e segura, como os meus livros preferidos.
Reler um livro do qual você tenha gostado é como reencontrar um amigo, visitar a escola onde você estudou ou mesmo olhar para uma fotografia antiga e começar, aos poucos, a lembrar de coisas que você não sabia que ainda estavam na sua cabeça. Sabe aquela nostalgia gostosa de ser familiar a uma coisa ou situação mas já não ter certeza dos detalhes? Saber que tem uma sorveteria perto de um lugar onde você trabalhava, mas só lembrar do atalho que leva até lá quando você já está na rua certa? É parecido com isso.
Aquele velho ditado de que um homem nunca pisa duas vezes no mesmo rio (porque na segunda vez o rio já não é o mesmo, e nem o homem) vale aqui também. Sempre que você relê um livro, encontra nele algo que não viu na primeira vez. Eu reli "Cleópatra" com um intervalo de mais de um ano entre as leituras. Foi como ler um livro completamente diferente e acho que gostei mais dele depois disso.
Se a sua memória for meio maluca, como a minha, talvez você leve os sustos de novo, se emocione outra vez e se surpreenda novamente com a revelação do assassino – ou, melhor: talvez encontre todas as pistas que apontavam para o vilão e que você não percebeu na primeira leitura. Mas pode ser que você releia o livro e não consiga entender porque gostou tanto da primeira vez. Tudo bem: aí você pode refletir sobre o tipo de leitor que você era e o tipo leitor que é agora.
E aí? Que tal tirar a poeira do seu livro preferido e se reencontrar com uma história?
--
Os livros citados aqui:
Transplante de menina, Tatiana Belinky
Vidas Secas, Graciliano Ramos
O Nome do Vento, Patrick Rothfuss
Cleópatra - Uma biografia, Stacy Schiff
Durante a infância, achava as cartilhas e gibis da Turma da Mônica tão divertidos quanto qualquer outro brinquedo. Passava horas brincando de escolinha, de redação, de biblioteca. Mas o primeiro livro que eu li foi "Transplante de Menina", da Tatiana Belinky, que ganhei aos 8 anos. O livro veio em um kit, prêmio de participação em um concurso de redações. Nada do que veio no kit foi tão bem aproveitado quanto o livro da Tatiana, que estava ela própria presente no evento de premiação, toda redonda e velhinha, com sua cara de avó de desenho animado.
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Tatiana Cute-Cute Gracinha Belinky |
Eu reli "Transplante de Menina" pelo menos 7 vezes. Me apaixonei pela história biográfica da menina que foi transplantada da Russia para o Brasil e precisou adaptar todos os seus gostos, hábitos, sonhos e linguagem para um país totalmente diferente. Essa história me marcou muito e eu fiquei genuinamente triste quando soube do falecimento de Tatiana, em 2013.
O que tornou esse um livro tão essencial e marcante na minha vida foi o fato de ele ter me tratado como uma leitora, não como uma criança. Isso fez toda a diferença e, desde então, eu busquei por livros e histórias que me respeitassem. Em um mundo com "Transplante de Menina", porque raios eu deveria ler um livro ruim? Melhor reler um bom.
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A edição que eu carreguei para lá e para cá, que é toda ilustrada e linda |
Não costumo abandonar livros pela metade, mas ao longo dos anos me deparei com muitas histórias que não me cativaram. Quando a história chega ao fim, muitas vezes eu fecho o livro com a certeza de que nunca mais vou querer abri-lo. Mas, ainda bem, o contrário acontece na mesma medida.
Algumas vezes, você está lá tentando ler todos os livros que as pessoas te indicaram, os que você escolheu, os que clicou e os que te emprestaram. E aí, de repente, você vai na sua prateleira buscar qualquer coisa e, quando menos espera, reconhece um livro te conquistou e te deixou com aquela sensação (deliciosa) que você não podia deixar aquela história ir embora. Tarde demais: você precisa ler de novo.
Tem livro que dá vontade de começar a reler na mesma hora que ele termina. Quando eu li “Vidas Secas” na escola, soube que aquela era uma história que eu ia continuar querendo ler para o resto da vida (segue sendo verdade). Isso aconteceu também com “O Nome do Vento”, que eu já li três vezes, e durante as esperas de lançamento dos últimos livros da saga Harry Potter, tempo em que reli os quatro primeiros. Eu estou sempre relendo livros para matar o tempo, nem que seja apenas para ler de novo os meus trechos preferidos. Algumas vezes, depois de um livro muito denso, muito triste ou muito ruim, eu simplesmente preciso ler alguma coisa confortável e segura, como os meus livros preferidos.
Reler um livro do qual você tenha gostado é como reencontrar um amigo, visitar a escola onde você estudou ou mesmo olhar para uma fotografia antiga e começar, aos poucos, a lembrar de coisas que você não sabia que ainda estavam na sua cabeça. Sabe aquela nostalgia gostosa de ser familiar a uma coisa ou situação mas já não ter certeza dos detalhes? Saber que tem uma sorveteria perto de um lugar onde você trabalhava, mas só lembrar do atalho que leva até lá quando você já está na rua certa? É parecido com isso.
Aquele velho ditado de que um homem nunca pisa duas vezes no mesmo rio (porque na segunda vez o rio já não é o mesmo, e nem o homem) vale aqui também. Sempre que você relê um livro, encontra nele algo que não viu na primeira vez. Eu reli "Cleópatra" com um intervalo de mais de um ano entre as leituras. Foi como ler um livro completamente diferente e acho que gostei mais dele depois disso.
Se a sua memória for meio maluca, como a minha, talvez você leve os sustos de novo, se emocione outra vez e se surpreenda novamente com a revelação do assassino – ou, melhor: talvez encontre todas as pistas que apontavam para o vilão e que você não percebeu na primeira leitura. Mas pode ser que você releia o livro e não consiga entender porque gostou tanto da primeira vez. Tudo bem: aí você pode refletir sobre o tipo de leitor que você era e o tipo leitor que é agora.
E aí? Que tal tirar a poeira do seu livro preferido e se reencontrar com uma história?
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Os livros citados aqui:
Transplante de menina, Tatiana Belinky
Vidas Secas, Graciliano Ramos
O Nome do Vento, Patrick Rothfuss
Cleópatra - Uma biografia, Stacy Schiff